O 'sumiço' dos acontecimentos no país da Copa

Alguém mais está preocupado muito, muito mais com os mortos e feridos do desabamento do viaduto em BH do que com o Neymar?
Procurei incessantemente na TV informações sobre os mortos e feridos em Belo Horizonte. Nada: só dá um tal jogador bilionário que em fevereiro sonegou impostos. Tá ficando meio ridícula essa situação. Compilo abaixo uma série de acontecimentos em cidades como Rio, São Paulo e Recife.
E depois ainda se perguntam por que o “preconceito” contra o meio mais manipulador e desinformador que existe.
PERDEMOS O NEYMAR
Há um ano, perdemos o Amarildo — e até hoje lutamos por justiça: http://glo.bo/1qwWHxT
Mas não para por aí. Segundo dados oficiais do Instituto de Segurança Pública, órgão do governo do Estado do Rio, mais de 10 mil pessoas foram mortas em “confronto” com a polícia entre 2001 e 2011 – número que dá à corporação fluminense o título de campeã mundial de letalidade.
Dez mil Amarildos. São os desaparecidos da democracia: http://bit.ly/1qwXcrE
Perdemos o Neymar? Sério que você acredita nisso mesmo? Neymar tá aí, saudável, vivo, com uma carreira pela frente. Perdemos, mesmo, pra valer, os 10 mil Amarildos. E continuaremos perdendo. Por que? Porque um grande número de pessoas continuam confundindo a seleção brasileira com o Brasil.
ALIÁS

Desde 2012, obra em BH era investigada por erros na execução do projeto, atraso nos prazos e superfaturamento. Mas os estádios ficaram prontos direitinho.
E na Folha: Prefeitura de BH admite erro na fiscalização de viaduto que desabou
UM “DETALHE”
O viaduto que caiu em BH faz parte da implantação do BRT (“Bus Rapid Transit”) Antonio Carlos/Pedro I. A obra integra a lista de projetos do chamado “PAC da Copa”.
As obras foram iniciadas em 2011 e deveriam ter sido entregues até o Mundial, mas atrasaram. A construção, dizem as autoridades, já estava em “fase final de acabamento”, com a retirada das vigas de sustentação.
Terça-feira que vem tem jogo do Brasil no Mineirão, e fica aí então a dica do grau de competência das autoridades para o mundo. Mas nos perguntamos, pra não dar asas à memória fraca de grande parte da imprensa: das outras tragédias, várias, parecidas com esta, há punições? O que foi feito?
Lembra do desabamento do Edifício Liberdade, no centro do Rio, em janeiro de 2012, matando 17 pessoas? Sabe quantos foram condenados? Adivinha! Isso mesmo: ninguém foi condenado.
* * *
O mundo real para além da Copa:
“(…) Se as vitórias da Costa Rica na Copa surpreenderam o mundo, a reação de uma pequena parcela da população causa ainda mais estupor. Os seguidos triunfos da campanha histórica fizeram explodir o número de casos de violência contra mulheres no país. O nível chegou a tal ponto que jogadores e federação de futebol foram chamados a fazer uma campanha contra as agressões domésticas.” (leia aqui)
ENQUANTO ISSO EM SÃO PAULO… [1]
TJ-SP considera menina “prostituta” e inocenta acusado de estupro, diz a manchete.
“(…) Para Ariel de Castro Alves, fundador da Comissão Especial da Criança da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a decisão do TJ “é como uma espécie de licença para a exploração das crianças e adolescentes”. “A partir de agora em São Paulo qualquer abusador sexual pode explorar sexualmente crianças e adolescentes e justificar que não sabia que eram menores de idade”, afirmou.” (leia aqui)
ENQUANTO ISSO EM SÃO PAULO… [2]
“Aqui não tem mídia, agora você vai morrer”. Preso nesta terça-feira ao pedir a identificação de uma policial militar, o advogado Daniel Biral conta que foi agredido e ameaçado por PMs. Leia na matéria da Carta Capital.
ENQUANTO ISSO EM SÃO PAULO… [3]

Via Mídia NINJA: “Durante o ato pela libertação dos presos políticos em São Paulo a Polícia Militar levou detido mais dois advogados ativistas que questionavam a falta de identificação dos policiais. Daniel Biral e Silvia Daskal foram levados sem voz de prisão. A atitude demonstra a intransigência e despreparo da PM para lidar com a imprensa e com os ativistas, além de explicitar a necessidade de uma revisão urgente do sistema de segurança pública do Estado.”
ENQUANTO ISSO EM SÃO PAULO… [4]
“Professor ‘dá uma aula’ de Revolução Francesa para não ser linchado. Confundido com ladrão, ele improvisou sobre conteúdo para não ser espancado” (leia aqui)
ENQUANTO ISSO NO RIO… [1]
A administração da vida: um bom negócio: “Pezão estima despesas de campanha em R$ 85 milhões. Na eleição de 2010, Cabral apresentou previsão de gastos de R$ 25 milhões” (leia aqui).
ENQUANTO ISSO NO RIO… [2]
“(…) Botar a polícia para bater é igual criança que briga e manda o irmão mais velho acertar as contas no seu lugar. Tirar o salário é a expressão clara do que os educadores representam para o município nesse momento: NADA. Não é circo? Não interessa.
A punição é ilegal e infundada. Demonstra que parece estarmos todos à mercê de uma pessoa que só faz o que bem entende. Pouco ligando para nossos meninos que não terão as aulas repostas, ou para os professores que não terão como sobreviver.” (leia aqui)

“É covarde e autoritária a forma com que a Prefeitura lida com os educadores. Suas reivindicações legítimas deveriam ser tratadas desde o princípio com diálogo, evitando assim a necessidade da greve. Pelo contrário, a Secretaria Municipal de Educação vem descumprindo acordos feitos com os educadores no ano passado, evitando o diálogo e punindo os que se mobilizam por uma educação pública de qualidade”, disse o deputado Marcelo Freixo.
ENQUANTO ISSO NO RIO… [3]
“(…) Tão perto, tão longe. Da laje de sua casa no Morro da Mangueira, na Zona Norte do Rio de Janeiro, a família do vigilante Marcelo Alves, de 34 anos, tem uma das vistas mais privilegiadas do Maracanã, mas nem sonha em acompanhar uma partida da Copa do Mundo no estádio.” (leia aqui)
ENQUANTO ISSO NO RIO… [4]
O Rio é uma festa — mas uma festa com o nosso dinheiro: “Firma que levou secretários em viagem de lazer ao Caribe vai explorar esgoto por 30 anos”.
“Um meganegócio — a concessão por 30 anos do serviço de coleta e tratamento de esgoto da Cedae na Zona Oeste — foi entregue este ano a um consórcio do qual faz parte a construtora Cowan, a mesma que patrocinou uma viagem de lazer ao Caribe, em abril do ano passado, para o secretário municipal de Urbanismo, Sérgio Dias, e o secretário estadual de Governo, Wilson Carlos.”
ENQUANTO ISSO NO RIO… [5]
Ministério Público do RJ diz que Prefeitura carioca retirou 669 mendigos das ruas, “muitos de forma compulsória”, às vésperas da Copa do Mundo. O local de destino é alvo de denúncias de superlotação, má higiene e não poderia mais receber novos abrigados desde maio. (leia aqui)
ENQUANTO ISSO NO RIO… [6]
Deu no jornal: IPM ‘absolve’ oficial da morte do pedreiro Amarildo
A Justiça prendeu, mas o IPM — os inquéritos policiais militares, da PMERJ, essas “mães” bondosas — absolveu. A Polícia Militar diz que o coitado é inocente — já a na 35ª Vara Criminal, o oficial responde por tortura, ocultação de cadáver, formação de quadrilha e fraude processual, por ter agido em conjunto com os subordinados para subornar testemunhas.
Tem gente que acredita em IPM. E você, acredita em Papai Noel?
ENQUANTO ISSO NO RIO… [7]

Policiais agrediram, torturam, espancaram e efetuaram prisões ilegais contra um grupo de manifestantes composto na sua maioria por mulheres no Rio de Janeiro. Tudo diante das lentes de jornalistas e cinegrafistas do mundo inteiro.
Ao final do ato, seis manifestantes foram presos, sendo cinco mulheres, uma delas menor de idade, levada dentro de um camburão entupido de policiais, que circulou durante duas horas antes de chegar à 22ª DP, na Penha, a 15 quilômetros do local da detenção, em ação totalmente ilegal e imoral.
Um bando de covardes. Quem faz isso é covarde. Da pior espécie. Tudo filmado:
Da FolhaPolícia reprime protesto contra a Copa e agride dois jornalistas no Rio: “(…) Alguns policiais usaram cassetetes contra jornalistas com câmeras que tentavam registrar as prisões. Um fotojornalista do jornal “O Estado de S.Paulo” teve o para-sol de sua máquina fotográfica quebrado por um policial.
(…) Quando os manifestantes chegaram na praça, a polícia lançou uma bomba de efeito moral sem motivo aparente, em direção oposta ao local onde estavam os integrantes da marcha. Estilhaço atingiu a perna do fotógrafo da Folha, Fábio Teixeira.
(…) Uma parte deles concentrou-se em uma faixa da avenida Conde de Bonfim, que passa ao lado da praça. A polícia liberou a via. Um fotojornalista do jornal carioca O Dia foi cercado e empurrado por um grupo de policiais até sair da pista. Ele estava identificado com crachá de imprensa e mostrou a credencial.”
“Fuera de Brasil! No és bem-vindo acá!”
Agora a Polícia Militar considera que tem poderes de deportar os estrangeiros. O governo do Estado é uma piada de muito mau gosto.
A gente acha que já viu de tudo, mas aí aparece a nova Polícia Militar Federalizada e seu fascismo em portunhol! Será o Brasil se internacionalizando?

E o momento exato em que a Polícia Militar joga uma bomba, sem qualquer motivo, na Saens Peña:

“É um absurdo o que aconteceu aqui. A PM agiu de forma violenta sem que ninguém fizesse nada. Prenderam vários manifestantes que nada fizeram e ainda quebraram o material de trabalho dos profissionais. Não nos deixaram andar. Não nos deixaram fazer nada. Tudo errado… É por isso que não vamos parar com os protestos até que essa vergonha tenha fim”, comentou um professor.
ENQUANTO ISSO NO RIO… [8]
Foto de Raquel Marina no Morro do Chapéu Mangueira:

ENQUANTO ISSO EM PERNAMBUCO…
“(…) No fim de 2013, chegaram dizendo para eu fazer o possível e impossível para sair de casa em três dias. Consegui alugar uma casa e, até agora, recebi 80% da indenização. Com esse dinheiro, só consegui comprar um lugarzinho para o meu filho. Passei a tomar remédios contra depressão por causa disso tudo que estou vivendo, e as obras nem terminaram. Meus netos querem nem saber da Copa.”
(…) “O governo contratou uma empresa terceirizada para fazer o serviço, mas eles só colocaram adesivos nas casas que seriam desapropriadas e não passaram informações precisas, como a data para sair e o valor das indenizações. O que preocupa é que a Copa começou a ser planejada em 2007 e não houve planejamento para essas famílias, como habitacionais ou doação de terreno. O que foi dado foi uma indenização insuficiente para as pessoas comprarem imóveis iguais aos que tinham.”
Via Estado brasileiro, com ou sem Copa (leia aqui).
A FIFA COMO ELA É
Um jogo para poucos: Levantamento do Reportagem Pública — Agência de Jornalismo Investigativo mostra como as “quatro irmãs” — Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez — se revezam nos contratos para as grandes obras da Copa e Olimpíadas no Rio de Janeiro.
Por Adriano Belisário, leia aqui a reportagem.
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Membro da Fifa passava ingresso a quadrilha de cambista, diz delegado. “(…) Ele é estrangeiro, mas sua nacionalidade não foi revelada. Teria um posto importante na entidade máxima do futebol já que frequentaria espaços reservados à alta cúpula da federação.”
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Enquanto isso o jornal O Dia denuncia: Padrão Fifa não vale para ‘setor oculto’ do Maracanã
“Depois da Copa a gente resolve o que tiver que ser resolvido e conclui o que tiver de ser concluído”, disse o engenheiro Ícaro Moreno, presidente da Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio (Emop), que não sabia sobre as obras inacabadas e foi informado pelo jornal.
O projeto do novo Museu do Futebol, que deveria ser um dos atrativos turísticos do Complexo do Maracanã para a Copa do Mundo, ficou para uma próxima oportunidade. Assim como as reformas do Estádio de Atletismo Célio de Barros e o Parque Aquático Julio Delamare. Mesmo com quase R$ 1,5 bi gastos.
Os responsáveis pelo descaso lavam as mãos. A Fifa, que durante a Copa responde pelo estádio, passa a bola para a Concessionária Maracanã — formada por Odebrecht, AEG e IMX —, que o arrendou ao governo estadual.
Inexplicavelmente, parte do antigo Museu do Maracanã está pichado e destruído. Assista ao vídeo d’O Dia: http://bit.ly/1morSuX
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Agora imagina se você pudesse alugar um apartamento bonito e grande, mas quem paga o aluguel é o proprietário, que não só te repassa o dinheiro que ele deveria receber como de quebra ainda paga a faxina e, na saída, te dá uma grana extra pra curtir. É pra poucos: Fifa tem controle de estádios, mas repassa conta de R$ 1 mi com limpeza para Governos
“JOGÃO”

SOBRE OS DEBATES POLÍTICOS
Há muito que me incomoda um certo tipo de discurso contra o presidenciável Aécio Neves e, francamente, o mínimo que posso fazer é expor.
Um sem número de pessoas, às vezes de modo desapercebido, tem postado insinuações de que Aécio é cheirador, drogado etc. Por isso, deveríamos concluir, seria um péssimo presidente para o país.
Poderíamos descrever uma série de motivos pelo qual um(a) determinando(a) líder — Dilma, Eduardo Campos, Aécio, Luciana Genro etc — seria um péssimo presidente no próximo mandato. Cada argumento será baseado na sua ideologia ou ideais políticos. Porque é isso o que um político tem que fazer: pôr em prática um pensamento político, torná-lo real e, independente de sua ideologia, tentar melhorar a vida das pessoas.
Agora, reduzir o debate político a discussões sobre um tema que é próprio da saúde pública — as drogas — é o fim da picada. Será que as pessoas que repetem que Aécio é cheirador postavam nas redes sociais que o Lula era bêbado?
É bom ficar alerta: esse tipo de moralismo nunca fez bem à democracia. Não é agora que vai fazer.
FALANDO EM DEBATE…
“Perdi” um amigo e uma amiga nessa Copa. Motivo: eu estou assistindo aos jogos do mundial de futebol.
Nessa visão, isso seria uma traição e um desrespeito aos crimes cometidos por ocasião do evento (remoções, violência nas manifestações e periferias, impostos da saúde e educação desviados etc).
Qual é a minha opinião sobre isso? Nenhuma. Mesmo.
Eu tenho, no entanto, duas impressões, por hora:
1. Não acho que devemos abrir mão do nosso ativismo político — ele tem que ser sereno, contínuo. Sem desespero e sem parar. Compromisso com os direitos humanos não é modinha, é militância para a vida inteira.
2. Não vou deixar nenhum poder estabelecido privatizar e despolitizar nem minhas paixões nem nosso cotidiano. Pensar o mundo é pensar esse mundo, o real, e suas contradições. Acho que se meter dentro de uma caverna não é a solução — até porque é muito chato lá dentro.
Se tentam privatizar o amor ou institucionalizar a fé, por exemplo, eu não vou deixar de amar quem eu quiser ou acreditar no que eu quiser. Mas sei lá.

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