Joel Zito de Araújo: As dores continuam presentes na alma do negro

Debates da III Conferência Bienal da Associação para o Estudo da Diáspora Africana no Mundo (ASWAD). Por Gustavo Barreto, do Rio de Janeiro, 6/10/2005

Documentarista desde 1984, o cineasta Joel Zito de Araújo teve forte atuação no movimento sindical nos anos 80, em São Paulo e Belo Horizonte. Ele fez uma palestra durante o segundo dia do ASWAD, lembrando histórias sobre a questão racial e o movimento sindical e falando sobre projetos ligados a estes temas. Respeitado entre o movimentos negro por seus filmes, criticou a “idéia marxista de que o mais importante é a classe, e não a raça”, e disse que tem intenções de explorar a subjetividade colonizada em um novo projeto que, segundo prevê, ainda deve demorar para sair.

Para Joel, o importante é tocar em questões que ainda não foram devidamente exploradas. “Uma amiga me disse para fazer um filme sobre Chiquinha Gonzaga, inclusive porque dava para obter financiamento mais facilmente, mas eu penso que insistir nas histórias da escravidão pode reforçar a subalternidade dos negros”, alertou, destacando o “pacto de relação de poder existente em não tocar na questão racial e negar a negritude”. Ele citou diversas histórias do sindicalismo brasileiro para apontar o tabu existente em relação ao tema e achou significativo o fato de seu filme “As Filhas do Vento” ter sido classificado pela revista ISTOÉ como “panfletário”.

Ele reforçou sua intenção de explorar preconceitos, como o de que a miscigenação veio para acabar com a raça negra e que, neste sentido, ser mestiço é ser subalterno e apenas uma fase de “passagem”. Joel sustenta: “O mestiço não se vê como um grupo. Ele tem a consciência – ou melhor, a inconsciência de que é parte de um processo de branqueamento”. Por isso, argumenta, “não pretendo trabalhar a ação, mas a alma do negro. Não a história heróica, mas as dores que continuam no presente”.

Lino de Almeida: Afro-baianos e a não-violência

O cineasta baiano Lino de Almeida, autor de um documentário sobre os Filhos de Gandhy, também esteve presente na mesa de debates. Ele exibiu um trecho do filme que conta um pouco a história deste grupo baiano formado por homens negros. Os Filhos de Gandhy é uma tradição cultural e religiosa ligada principalmente às tradições afro-brasileiras e à não-violência difundida por Gandhi na Índia.

Em um depoimento ao filme, Carlinhos Brown sentencia: “A mídia distorce [o grupo Filhos de Gandhy] porque a mídia é católica”. O filme possui diversos depoimentos de integrantes do grupo e apresentações culturais nas ruas de Salvador. Explica de forma detalhada e profunda a ideologia e a religiosidade dos Filhos de Gandhy, que a mídia branca, no passado e ainda hoje, censura de forma sistemática, seja por meio do banimento estatal, seja por meio do esquecimento público.

Almeida também não poupou críticas ao pensamento majoritário da esquerda hoje. “Eles têm essa idéia de que o problema racial é uma paranóia negra e que o marxismo resolve tudo. Talvez seja fruto de uma imaginário criado pela esquerda em torno do operário. O perfil de operário – triste, cinza e europeu – não se encaixa com o trabalhador baiano, por exemplo, que canta e dança. Eles não entendem isso”.

Mais informações sobre o evento: http://www.aswadconference.rg3.net

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