Atualidade do projeto popular para nossas lutas, por João Pedro Stédile

A Assembléia Popular é uma articulação de movimentos sociais populares sujo objetivo é a construção de um Projeto Popular para o Brasil. Dela participam movimentos sociais populares, organizações, assessorias, associações e militantes comprometidos com a construção do Projeto Popular para o Brasil. Tem como método de construção e atuação a Educação popular. Em São Paulo, SP, nos dias 30 e 31 de março, foram realizados debates e encaminhamentos na plenária nacional, dos quais faz parte o depoimento a seguir.

ATUALIDADE DO PROJETO POPULAR PARA NOSSAS LUTAS (João Pedro Stédile)

“Alguns aspectos revelam a importância do que já construímos sob essa marca do Projeto Popular. Constituímos um campo de forças populares, em sentido amplo, que envolve sindicatos, movimentos, pastorais, e desde a hegemonia do neoliberalismo na década de 90, nos insurgimos na tentativa de ir construindo um projeto alternativo que interessa ao povo brasileiro. Essa década de 90 foi um desastre para as lutas sociais, de um lado a hegemonia total do capital, no rótulo de neoliberalismo, que no fundo escondia a hegemonia do capital financeiro, do capital imperialista, aparecendo pelas empresas e bancos internacionais.

Nós aqui do Brasil, neste conjunto de forças populares, começamos a nos reunir para construir um projeto alternativo, esse processo de construção teve vários vertentes que conformam um longo rio. Várias formas do povo se reunir. No campo das igrejas foram se construindo semanas sociais, no mundo mais das ONG´s, que também participamos, tivemos o caudal do Fórum Social Mundial, que se insere na idéia de que outro mundo é possível. E no campo popular dos movimentos sociais, houve várias formas de luta que contribuíram para construir o projeto alternativo: as marchas de 1997, com 100 mil pessoas de diversas forças populares. E depois a outra marcha, de Niterói até Brasília, já com o rótulo de marcha pelo Projeto Popular, que culminou no rico exercício da pedagogia do exemplo, com debates, com experiências que foram multiplicando e liberando a energia no meio do povo que nem nós não nos damos conta.

Deste contexto histórico que nós fomos produzindo que elaboramos essa expressão Projeto Popular para o Brasil. É fruto do processo e estou convencido que a construção do socialismo no Brasil, necessariamente vai passar por um projeto popular. Cada sociedade terá o seu caminho, mas nós optamos em dar o nome de projeto popular para o Brasil.

A natureza do Projeto Popular é, fundamentalmente, buscar se contrapor ao projeto da burguesia e por isso, fundamentalmente, tem uma natureza de classe. Quando nascemos, a burguesia tinha seu projeto hegemônico e totalmente subordinado ao imperialismo. Então a primeira característica da nossa natureza é que nosso projeto seja alternativo ao da burguesia. Portanto, está fundado na necessidade de resolver o problema do povo.

A segunda natureza é que nosso projeto tem um caráter nacional. Isso deu polêmica e confundiram com os projetos antigos da burguesia, ou com os que querem ser apenas internacionalistas. Mas o nosso povo mora em um território, é preciso resolver os problemas aqui, senão não convence ninguém. O nacional é no sentido de libertar o povo que mora em um território determinado, exercitando a soberania, cuidar do seu destino e isso, de forma alguma é contraditório com o espírito internacionalista, proletário e solidário.

A terceira natureza é que é essencialmente democrático. Não na concepção de que todos os “sócios” têm os mesmos direito e deveres de construir uma sociedade realmente igualitária. E o quarto elemento da nossa natureza, pelo avanço das idéias no campo da esquerda e no campo popular, foi um componente novo, porque não estava presente até então nas formulações da esquerda e nos foi imposto pela natureza da luta de classe, que tem que ser sustentável.

Existem várias maneiras de introduzir essa questão. Nós optamos coletivamente por essa nuance dos biomas. A rigor, nem os cinco grandes biomas contemplam toda nossa diversidade. A partir dessa natureza de um projeto popular, nacional, democrático e sustentável, foi composto com vários elementos, no campo econômico, da vida na sociedade, no regime político, no papel do estado, nas questões ambientais. E também introduzimos um componente que não era usual. Que é o componente cultural, como um elemento importantíssimo das relações sociais entre as pessoas.

É esse Projeto Popular que consolidamos na cartilha da AP. Ele adquire uma importância muito grande para o povo, para os trabalhadores, sobretudo em função do período histórico que estamos vivendo, que é um período conturbado, confuso, complexo e adverso para as forças da classe trabalhadora. Continuamos vivendo um período histórico em que ainda estamos na defensiva, ou em resistência quase silenciosa. O povo brasileiro sabe que o que vivemos hoje não é o projeto dele mas ainda não tem força para mudar. Temos que ter claro isso para não desanimar. É parte do período histórico que estamos vivendo. É muito difícil discutir um projeto de país. A massa sentiu o que foram os 20 anos de dominação hegemônica do capital.

O desafio que devemos enfrentar é que as formas de organização social e política da classe trabalhadora estão em crise. As formas tradicionais de se organizar e que foram construídas no mundo inteiro estão em crise. Vamos jogar fora o sindicato, o partido? Não. Vai ter que ter oxigenação dos instrumentos para mobilizar o povo. Temos que rejuvenescer as que já existem e criar novas.
Outro desafio é a confusão ideológica instalada na esquerda, no campo dos conceitos. A luta política no Brasil se reduziu na eleição. Falou em política, o cara quer ser candidato. Isso está no senso comum e é um equivoco. Diante desse contexto acho que há algumas obrigações, como militantes, que devemos encarar para ajudar a aflorar o debate do projeto. Temos que construir lutas sociais e buscar cada vez mais a maior unidade possível. As lutas corporativas são importantes, mas são insuficientes para levar a classe trabalhadora a discutir o Projeto Popular. Para sair dessa situação, temos que estimular todas as formas de lutas sociais de caráter unitário.

Segunda obrigação: temos que colocar nossas energias na formação de militantes. Para que o militante faça a combinação da luta social com o programa. E temos que levar a articulação da AP para as regiões e municípios. Se ficarmos só nos espaços nacionais, não acumulamos força. A experiência da AP tem uma missão muito grande de tentar ir lá para o local e, através desses mecanismos de base, articular vários movimentos.

Além disso, temos que fortalecer os meios de comunicação de massa. E finalmente, sobre o calendário unitário, nesse ano: uma das obrigações é combinar a luta social em âmbito nacional. O que está em curso são várias articulações para construir espaços unitários, CMS, Via Campesina, Pastorais, e está se formatando um calendário interessante que pode nos ajudar a avançar muito.

Primeira data é de agitação e propaganda, é a Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos. Dia 07 de abril que é o Dia Mundial da Saúde vamos fazer agitação. Essa é a principal contradição do agronegócio, a grande propriedade não consegue produzir sem usar veneno. Se barrarmos o veneno, barramos o agronegócio. Depois em agosto há uma mobilização proposta pelos movimentos sociais da Via Campesina, de fazer acampamentos, e um grande em Brasília. E para outubro, de 12 a 16, uma jornada internacional, como um dia da mãe terra, defesa da cultura, e o 16 de outubro é dia da defesa do alimento sadio.”

Este depoimento foi extraído do documento “Assembléia Popular: Mutirão por um novo Brasil”, encaminhado pela Assembléia Popular-PB pbassembleia@gmail.com

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