‘Poder-se-ia esperar outra coisa?’

Nota da Comissão Pastoral da Terra

O dia 29 de novembro de 2005 ficará para a história do nosso país como mais um dia em que os senhores da terra e do agronegócio impuseram à nação a sua vontade, mantendo a intocabilidade da propriedade e a arcaica estrutura agrária de nosso país.

Nesta data a CPMI da Terra rejeitou o relatório final apresentado pelo relator, Deputado João Alfredo, que denunciava a falta da Reforma Agrária como responsável pela violência no campo e aprovou o relatório substitutivo, apresentado pelo Deputado Abelardo Lupion, porta-voz dos ruralistas e historicamente ligado à grilagem de terras no Paraná, que apresenta as vítimas da violência no campo, como responsáveis pela mesma. Ainda qualifica as legítimas ocupações de terra como crime hediondo e ato terrorista.

Desta forma a CPMI mais uma vez macula a já desgastada imagem do Congresso Nacional ao manter o direito à propriedade como direito absoluto, desconhecendo a constitucional função social da propriedade da terra e fechando os olhos à grilagem e à depredação do meio-ambiente perpetrada pelo agronegócio.

O Relatório de Lupion ainda queria impedir que os sem-terra tivessem acesso aos recursos públicos alegando malversação dos mesmos. Enquanto a nação está estarrecida diante da corrupção que desvia bilhões de reais em favor da elite econômica, os deputados que aprovaram o relatório se escandalizam diante das possíveis falhas administrativas das migalhas destinadas aos projetos do campo. A eles se aplica a afirmação de Jesus que disse aos fariseus: “Guias cegos, vocês coam o mosquito e engolem o camelo” (Mt, 23,24).

A aprovação deste relatório aconteceu no mesmo dia em que mais um trabalhador rural, Jaelson Melquíades, foi assassinado em Atalaia, Alagoas e no dia seguinte ao lançamento do relatório “Violação dos Direitos Humanos na Amazônia: conflito e violência na fronteira paraense”. Só neste ano de 2005, além de Irmã Dorothy Stang, outras 15 pessoas foram assassinadas no Estado do Pará e 48 vivem sob ameaça de morte. Em todo o Brasil os registros da CPT indicam 36 assassinatos de trabalhadores ou de pessoas que os apóiam e 170 pessoas que vivem sob ameaça de morte, inclusive mais uma religiosa, Irmã Leonora Bruneto, no Mato Grosso.

A aprovação do relatório de Lupion consagra a prática da violência de quem historicamente se considera “dono e senhor” das terras e da vida e os isenta de qualquer responsabilidade.

Poder-se-ia esperar outra coisa deste parlamento que transforma os historicamente conhecidos malversadores dos recursos e do patrimônio público em arautos da honestidade e da ética?

Goiânia, 30 de novembro de 2005
Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra

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