KEN LOACH OU UM CINEMA A PARTIR DOS DE BAIXO

“Não só teorias sobre a luta, mas teorias que estão, elas mesmas,
Engajadas numa luta: sua história não consiste num acúmulo de
Conhecimentos neutros”
(Islavoj Zizek)

Num ensaio clássico intitulado: “Cinema e política” o crítico inglês Peter Wollen nos faz uma afirmação importante para a compreensão da história do cinema. Afirma que o cinema sempre esteve estreitamente ligado à política desde a sua origem e, conseqüentemente, o cinema nunca pode abstraído de seu contexto social, econômico e político.

Pensamos nessa linha também. Para nós, cinema é sempre uma forma de indicador político, por mais que queira se eximir de tal procedimento ou por mais comercial que seja. Um filme unicamente comercial é uma forma degrada de fazer política por outros meios. Alienar propositalmente é ainda uma forma de fazer política. Podemos imaginar e fazer do cinema uma arte para a reflexão ou como afirma ainda Wollen referindo-se ao papel do cine asta: “a tarefa do cineasta é precisamente a de propor perguntas mais do que respostas – essa é sempre uma tarefa política”.

Concordamos integralmente coma posição do crítico inglês. Um “bom cinema” é sempre político em sentido pleno do termo. É um cinema posicionado numa determinada sociedade e que sempre nos remete a questões muitas vezes desconsideradas no cotidiano. Mas acreditamos e defendemos algo mais em termos de política: é possível uma posição de classe na forma e no conteúdo da arte cinematográfica. Há um cinema feito a partir de questões centrais que envolvem a luta, as aspirações, a resistência e os avanços da classe trabalhadora em geral e dos pobres da história em particular.

Cineastas como Jean-Luc Godard, Glauber Rocha, Tomás G. Alea, M. Moore, Pablo Trapero, são exemplos em diversos momentos da história do cinema mundial em que a arte de fazer filmes está solidária com as lutas de uma série de grupos e onde o filme torna-se uma forma de reflexão sobre os rumos da história e um chamado ao pensamento na sua forma radical. Um cineasta em particular nos chama por demais a atenção no âmbito do cinema político de corte radical.

Trata-se do inglês Ken Loach. Nascido em 1936, Loach é fortemente marcado por acontecimentos no campo da esquerda inglesa dos anos 50 e 60, de onde veio a chamada “Nova esquerda britânica”. Essa nova esquerda vinha propondo uma revisão da história a partir da classe operária e sua formação sócio-cultural (E. Thompson) e estava tomando posição nas transformações políticas que passava a Inglaterra logo após a segunda guerra mundial. Militantes do Partido Comunista inglês e dissidentes estavam organizados em torno da revista New Left Review.

Os temas das organizações da classe operária, a vida urbana, a vio l ência juvenil, as brutalidades da vida dos migrantes legais ou “ilegais”, o impacto da televisão, os filmes Norte Americanos, um teatro que estava se modernizando e o sindicalismo em crise, eram temas relevantes na vida da nova esquerda. Os anos 60 foram anos importantes para um tipo de cinema político feito na Inglaterra.

O clássico If de Lindsay Anderson inaugura o chamado “Free cinema”, corrente cinematográfica importante no cinema inglês e que teve um papel determinante na formação dos cineastas de esquerda naquele período e no posterior. O Free cinema inglês foi uma forma radical de fazer cinema e que trouxe par ao bem comportado filme britânico os ventos da política radical filha dois saudosos anos 60. Ken Loach é filho di reto de toda esta movimentação à esquerda vividos pela cultura inglesa em geral e pelo cinema em particular.

O cinema de Loach tem forte influencia da televisão e da forma documental que a TV instiga. Desde o inicio, o diretor inglês demonstra sua simpatia pelos “de baixo” da sociedade inglesa. No belíssimo Kes (1969), tem nu garoto pobre de uma periferia de Londres o seu protagonista e na sua fuga das discriminações que sofre numa escola , encontrando refugio e amizade em um falcão. No filme Family life (1972) há uma critica forte as repressões familiares e as conseqüências no cotidiano de uma jovem que é levada a situações neuróticas e aparece como pano de fundo as conseqüências da pobreza na psique dos membros da família.

Loach segue nos anos 70 e 80 fazendo filmes em que os protago nistas são figuras a margem da sociedade britânica, são jovens em situação de risco, operários amargurados com a opressão na forma alienada de trabalho, são personagens de comportamento anárquico e muito da vida no submundo inglês. Destacamos três filmes marcantes na carreira de Loach: Uma canção para Carla (1996), Terra e Liberdade (1995) e Pão e Rosas (2000). Acreditamos ser possível caracteriza esses filmes como uma espécie de “trilogia da insubmissão de Ken Loach”.

Percebemos nos três longas citados uma característica marcante: tem nos seus protagonistas a marca da insubmissão, da rebeldia e da radicalidade e ainda mais visível nas histórias que acompanham cada protagonista: a revolução em curso na Nicarágua dos anos 80 ( Uma canção para Carla), a guerra civil espanhola e a participação de um inglês de influencia Comunista (Terra e Liberdade) e uma greve de faxineiros na moderna Los Angels americana e a situação dos migrantes latinos (Pão e Rosas).

No filme Uma canção para Carla, Loach tem no protagonista, um motorista de ônibus de Londres, um personagem de forte influencia humanista e de traços anárquicos, que se solidariza com uma migrante “ilegal” oriunda da Nicarágua em processo de revolução. Loach faz da relação amorosa dos personagens o lugar das reflexões política a ponto de levá-los a própria Nicarágua em abolição. A luta revolucionária e suas contradições num País periférico e altamente oprimido pelo imperialismo Norte Americano passa a ser palco privilegiado para chamar a atenção da Europa para as lutas n a América Central.

Um dos filmes mais radicais dos anos 80. Com Terra e Liberdade, Loach chega ao seu filme mais conhecido e premiado internacionalmente . Um filme bem construído no roteiro e com ótimos atores e atrizes, onde trata de um acontecimento histórico de grande importância para as esquerdas no mundo, a saber, a “Revolução espanhola”. A disputa entre anarquistas e comunistas, as paixões arrebatadoras, a iniciação política para um jovem idealista e romântico, a coragem das mulheres na luta contra os fascistas e a covardia de muitos esquerdistas oportunistas são a matéria prima desse longa importante nos anos 90, anos marcados pelas políticas Neoliberais e de grande apatia política.

Loach nos fazia pensar nas razões de ser revolucionário. Foi objeto de longos artigos e acalorados debates à época. Por fim, Pão e Rosas. Filme extraordinário em tudo. Na h is tória, uma greve de faxineiros e faxineiras no coração de Los Angeles. Um filme que tem como protagonistas mulheres e homens Latinos e vivendo numa situação de opressão bárbara. Loach coloca na tela toda sua verve socialista impenitente e toda sua crítica ao sistema capitalista, forma de produção cruel e impiedosa com os mais pobres. Com trilha sonora do Buena Vista social Club, onde a música nos leva a momentos de lirismo e estranhamento bem dosados para uma leitura política sem melodrama tolo.

Com Pão e Rosas, Loach demonstra como se faz um filme político sem panfletarismo ou melodramatismo e em um momento de apatia política e de bobagens pós-modernas que tanto fez a cabeça de toda uma geração de cineastas e de militantes que se diziam de esquerda. Mas acima de tudo, o cineasta inglês mantém-se firme numa posição humanista e socialista tão importantes para as gerações mais jovens e que ainda abrigam no peito sonhos libertários.

O autor é docente no departamento de Filosofia – UFS

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