Desserviço: Pérsio Arida ergueu a bola para o Ustra marcar o ponto

Quando a revista Piauí publicou um relato de Pérsio Arida sobre sua militância e prisão nos anos de chumbo, fui o primeiro a apontar omissões significativas que ele cometeu, não hesitando em qualificá-las de  convenientes.

Mas, pouco me importava o conjunto da obra. Não dava importância ao Pérsio em 1968/69, continuei não dando quando ele foi um dos pais do pirotécnico Plano Cruzado e nem dou agora. Só não quis deixar sem resposta a oportunista e infame utilização da tragédia do Massafumi Yoshinaga como azeitona de sua empada.

Alertei a Piauí de que o Pérsio fora desonesto ao dar aos leitores a impressão de que seus contatos com o Massafumi se resumiram a tê-lo abrigado quando já estava sendo intensamente procurado pela repressão em 1969 e a uma preleção que ouviu dele no DOI-Codi em 1970. Na verdade, haviam sido companheiros de militância no movimento secundarista e, ao longo de 1968, encontravam-se em toda passeata, em cada assembléia, nas mais diversas atividades. Dificilmente passavam uma semana sem se verem, por um ou outro motivo.

Pior: a Frente Estudantil Secundarista, à qual os três pertencíamos,  rachou no fim do ano e o Pérsio e o Massafumi se posicionaram em campos opostos, com toda a carga de ressentimentos decorrente.

Ou seja, o Pérsio não só escondeu que tinha militado com o Massafumi durante aproximadamente um semestre, como também que separaram-se na condição de adversários rancorosos.

Então, embora aparentasse isenção em suas observações sobre o Massa, o Pérsio bem poderia estar até hoje se vingando do coitado, três décadas e meia depois do seu suicídio. Foi algo que me ocorreu ao notar as sucessivas e antipáticas referências a ele como “o nissei”, uma forma de marcar bem a distância entre o  normal e o  diferente. Tais sutilezas não passam despercebidas para quem é do ramo.

A Piauí ignorou olimpicamente minha mensagem, embora eu estivesse falando de acontecimentos dos quais participei ou que testemunhei.

Pagou o preço de sua arrogância: ao invés de haver sido a primeira a admitir que o artiguete do Arida não era totalmente confiável, foi apanhada de calças curtas pela sua refutação na Folha de S. Paulo — e por ninguém menos do que o torturador-símbolo do Brasil (o único que teve tal condição declarada em sentença judicial), Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Evidentemente, o texto do Pérsio não equivale, como o Ustra coloca, a “27 páginas de situações imaginárias, fictícias e delirantes”. Mas, o que nele há de verídico vem mesmo misturado com algumas fantasias.

Ao incorrer em tais imprecisões — algumas  forçações de barra para melhor compor a  imagem que queria projetar de si próprio –, o Pérsio levantou a bola para o inimigo marcar o ponto, apresentando-o como mentiroso (“Muitas dessas ‘lembranças’, sem datas, sem nomes, não correspondem à verdade”) e, portanto, colocando sob suspeição o que ele narrou de chocante sobre a ditadura.

Resumo da opereta: pegando uma carona no interesse despertado por uma telenovela e pela ascensão de uma ex-guerrilheira à Presidência da República, o Pérsio pousou de paraquedas numa praia que há muito deixou de ser a dele. Fez sangrarem nossas velhas feridas e, ainda por cima, deixou-se desmoralizar por um dos piores carrascos da ditadura.

O saldo foi exatamente o mesmo do Plano Cruzado (aquela pajelança econômica a partir da qual a inflação disparou para 86% ao mês, 2.751% ao ano): perda total.

3 comentários sobre “Desserviço: Pérsio Arida ergueu a bola para o Ustra marcar o ponto”

  1. Muito serena e ponderada as explanações do Sr. Persio Arida no artigo “O coronel e a tortura”
    na Folha de S. Paulo (2 de junho de 2.011), os argumentos não tem nenhum Delírio de Coronel, e no final
    traz a chave do problema. Ninguém com dignidade humana suportaria a vergonha de ter comandado
    uma casa de tortura. Portanto quando a pessoa percebe o quanto foi desnecessário enviar para o fundo
    do mar diversos jovens brasileiros idealistas e torturar outros, para manter a sanidade tem de criar
    barreiras de negação á verdade. Perdoar é impossível, mas compreender a situação destes idosos é essencial
    para que os familiares dos desaparecidos continuem a viver, minimizando os efeitos maléficos daqueles atos
    tresloucados.

  2. Michel Rodrigues textinho é a explanação da sua opinião que tem 15 palavras tenha um pouco de senso opinático e se exponha ou melhor exponha suas idéias se elas existirem? Você realmente pensa que as discussões sobre os atos tresloucados da década de 60 são coisas vencidas? E que o passado não importa para o balizamento do futuro? Ou pensas que não devamos tocar nestes assuntos para não magoar aos torturadores e terroristas do passado?

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