Colóquio discute fenômeno das rádios comunitárias na Pan-Amazônia

Colóquio discute fenômeno das rádios comunitárias na Pan-Amazônia

Pesquisadores do Brasil, Equador e Colômbia apontam os desafios e avanços das rádios comunitárias nos diferentes países.

Colóquio discute fenômeno das rádios comunitárias na Pan-Amazônia

Por Agência Cidadã de Comunicação
Fotos: Tammy Caldas

A partir nos anos 70, período fortemente marcado pela censura da ditadura militar, começam a surgir no Brasil meios de comunicação alternativos, que lutavam por direitos democráticos. Entre eles, as chamadas rádios livres ou comunitárias. Hoje, o cenário político do país é outro, mas esse fenômeno continua a crescer. Entretanto, passadas mais de quatro décadas do seu surgimento, as rádios comunitárias ainda encontram dificuldades burocráticas e de legislação.

Para discutir a importância e os desafios desses meios, foi realizado esta semana o Colóquio “Rádios Comunitárias na Pan-Amazônia: desafios da comunicação comunitária em regiões periféricas”, sessão de trabalho que integra a programação do I Seminário Regional da Associação de Pesquisadores Latinoamericanos da Comunicação – ALAIC Bacia Amazônica.

O colóquio contou com a participação da professora Rosane Steinbrenner (Universidade Federal do Pará – UFPA), Milton Andrade Tapia (Universid Nacional de Loja – Equador), José Miguel Gonzalez (Pontifica Universidad Javeriana – Colômbia) e João Paulo Malerba (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ). O colóquio teve também a coordenação do professor Thomas Hurtienne, do Núcleo de Altos Estudos Amazôniaco (NAEA) e a vice-coordenação e moderação da professora Juana Bertha, também da Facom. O evento contou com o apoio da Fapespa – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará.

Importância das rádios comunitárias

As rádios comunitárias expressam a voz de grupos muitas vezes excluídos dos processos políticos e econômicos, aos quais são negados os bens sociais públicos como saúde, educação, transporte e também o direito à comunicação. Por meio deste tipo de organização, buscam gerar visibilidade a suas demandas e valores. A comunicação comunitária, desta forma, constitui-se como um importante espaço para exercício da cidadania. De acordo com José Miguel Pereira G. (Colômbia), estima-se que cultura política, mobilização e organização social são maiores onde existem emissoras comunitárias.

Colóquio discute fenômeno das rádios comunitárias na Pan-Amazônia

Ainda assim, é grande a confusão sobre o que são rádios comunitárias e de que forma elas atuam. Segundo a professora Rosane Steinbrenner, elas não possuem definição única, “até porque têm a cara da comunidade que a faz”. Entretanto, não deixam de ser regidas por princípios, ou seja, caracterizam-se por alguns aspectos “como gestão pública, onde a comunidade deve ser responsável por todo o processo, desde a programação até a gestão do veículo; pluralidade, já que se abre espaço para todas as vozes políticas, religiosas, de gênero… E não possuem fins lucrativos”, afirma Rosane.

De acordo com João Paulo Malerba, coordenador executivo da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC –Brasil), esta definição é importante para que possamos ter um “norte”, mas não deve se converter em algemas. Pela definição oficial, segundo determina a Lei da Radiodifusão Comunitária (Lei 9.612/98) no país, rádios comunitárias são aquelas que estão a serviço de uma comunidade territorial. “O sentido de comunidade vai além de território. Hoje, este sentido é caracterizado por vínculos, por outras formas de pertencimento (…) desta forma, o estado acaba por impedir a formação de rádios pelo movimento negro, homossexual e de mulheres, por exemplo”, explica Malerba.

Armadilhas da Legislação

Fruto da luta de movimentos sociais, a lei de radiodifusão comunitária, aprovada em 1998, é considerada um avanço por reconhecer e institucionalizar as rádios comunitárias, mais ainda apresenta “armadilhas” para as rádios comunitárias brasileiras, como a burocracia do processo de legalização, o apadrinhamento político, a falta de financiamento e a permissão de uma potência de no máximo 25 watts.

Para Steibrenner este aspecto [da potência] torna a comunicação na Amazônia praticamente inviável: “A Amazônia possui dimensões gigantescas, portanto de que forma comunicar se você tem uma emissora comunitária com pequeno transmissor, de baixa potência e pequeno alcance?”

Para João Paulo Malerba, da AMARC, isso é reflexo de uma política que não é pensada para áreas como a Amazônia: “Significa dizer que as rádios comunitárias estão ligadas a um ambiente urbano e, mais, estão ligadas a um modelo do sudeste do Brasil”, critica.

Mas isso não acontece somente no Brasil. Milton Andrade Tapia (Equador) afirma que as leis do governo também dificultam a comunicação comunitária no Equador. “As emissoras comunitárias equatorianas não podem ter publicidade, nem propaganda, o que inviabiliza o financiamento; têm que ser autorizadas pelas forças armadas, pois são consideradas fator de segurança nacional, assim têm dificuldade de discutir política. Também têm que ter baixa potência, o que dificulta o alcance nos terrenos irregulares do país, marcado pela forte presença de montanhas”, conta Tapia.

Na Colômbia, onde a lei que regulamenta a legalização e o exercício das rádios comunitárias foi criada também em 1998, os avanços parecem ser muito maiores, em especial no que diz respeito à regulação e formação.

Segundo o professor José Miguel Pereira G., que também é coordenador da Cátedra UNESCO de Comunicação, as rádios comunitárias na Colômbia podem ter formas variadas de financiamento, a potência pode chegar a 300 watts e podem formar redes, inclusive nacionais. “Existem hoje mais ou menos 500 emissoras comunitárias no país, e pelo menos 30 redes de rádios comunitárias, que possibilitam a produção e reprodução do conteúdo em maior escala”, afirma.

Mas o maior avanço é que as rádios comunitárias se tornaram política de Estado, com diversos programas, apoiados pelos governos e municípios. Entretanto, ainda há o que se fazer, pondera o professor, na medida em que trata-se de um processo onde o sentido político das existências dessas emissoras é o fator central a ser ativado, na medida em que “para o desenvolvimento político, cultural, social, econômico e tecnológico dos povos, superar os problemas e as precariedades que limitam a comunicação comunitária torna-se essencial”.

Projeto de pesquisa pan-amazônico

Os pesquisadores discutiram também, em reunião de trabalho no período da tarde, as possibilidades de se construir projetos conjuntos de ‘pesquisa-ação’ em torno do fenômeno das rádios comunitárias na região Pan-amazônica, ou seja, que envolvam o desenvolvimento do conhecimento e da compreensão como parte da prática.

Um dos pontos de partida, segundo a coordenadora do colóquio, professora Steinbrenner, é identificar pesquisadores e ativistas de rádios comunitárias em todos os estados da Amazônia brasileira e nos demais países amazônico (além do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Suriname e Guiana).

“Queremos conhecer quem faz e quem pesquisa rádios comunitárias na região para entender melhor qual a prática da comunicação comunitária e qual o sentido atual das rádios comunitárias na Amazônia. Como as emissoras estão na prática superando seus desafios e vencendo ou não suas precariedades: de gestão, financiamento, de conteúdo e mesmo de participação?”, pergunta ela. “Para isso, pedimos que entrem em contato conosco pelos endereços nani.steinbrenner@gmail.com e agendacidadaufpa@gmail.com para que possamos, todos juntos, entender mais e melhor e também contribuir para a superação dos desafios do setor.”

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