Muita seda a direita rasgará para o exonerado; aliás, já existem alguns desagravos demagógicos e golpistas circulando na internet.
No entanto, é bom que se saiba que, ao invés de ter agido em nome dos interesses superiores da Nação ou, pelo menos, na defesa da honra da corporação, tudo leva a crer que a motivação principal do gen. Maynard fosse bem mais prosaica: estaria apreensivo quanto ao que a Comissão da Verdade poderia revelar a seu respeito.
Numa lista de torturadores que o Blog do Cappacete recentemente publicou, eis a parte que lhe cabe:
MAYNARD MARQUES DE SANTA ROSA Segundo Tenente da Infantaria do Exército; integrava Equipe de Buscas do DOI-CODI-RJ; era da 2A. Seção do 1O.RO-105-RJ em 1971-1972
É claro que tudo se completa: os esqueletos no armário e as convicções ideológicas ultradireitistas de Maynard Marques, aquele general encrenqueiro que apareceu no noticiário contestando a ação do Exército na Reserva Raposa Serra do Sol e acusando ONGs da região amazônica de estarem “envolvidas com o tráfico de drogas, armas, lavagem de dinheiro e espionagem”.
Azar dele que, em estratégia, é zéro à esquerda. Deve ter cabulado as aulas.
Quando li a nota dele contra a Comissão da Verdade, fiquei perplexo com sua incontinência verbal. É óbvio que um militar na ativa não pode impunemente referir-se a um colegiado instituído pelo Governo Federal como “Comissão da Calúnia”.
Pior ainda foi ter-se deixado levar pelo exibicionismo pseudo-erudito, aludindo ao pior personagem da História que poderia invocar na defesa da sua causa: Torquemada. Levantou a bola para marcarmos o ponto.
Asnática também foi a escolha do momento para sua provocação.
Depois de ter feito uma concessão indigesta à pressão dos militares, retirando da terceira versão do Programa Nacional dos Direitos Humanos a correta especificação dos crimes a serem investigados, era igualmente óbvio que o Governo não engoliria outro sapo — ainda mais se viesse na bandeija de um general que está longe de ser uma unanimidade na caserna.
Pelo contrário, o que Maynard Marques ofereceu ao governo foi uma excelente e não desperdiçada oportunidade para mostrar autoridade, apagando a má impressão deixada no episódio anterior.
“Quem é burro, pede a Deus que o mate e ao diabo que o carregue” – costumava citar o Paulo Francis.
Como sempre, um contraponto:
Ari Cunha
O general Maynard Santa Rosa pertence ao grupo de 15 membros do Alto Comando do Exército. Divulgou carta com pensamento pessoal, na qualidade de cidadão. Sabia o que ia acontecer. Conhece o Regulamento Disciplinar do Exército, as atividades, inclusive as punições.
Preferiu expressar pensamento próprio, mesmo usando uniforme da ativa. Assinou embaixo. Deu no que deu. Perdeu o cargo de chefe do Departamento Geral de Pessoal do Comando do Exército. Sabia com antecedência. Mesmo conhecendo a punição, não hesitou e teve a coragem que falta a muitos cidadãos comuns e políticos.
Ficou na tropa como adido ao gabinete do comandante Enzo Peri até 3l de março. É nessa data que termina o tempo de permanência no generalato, de 12 anos. Passará à reserva remunerada.
Não respondeu a “rigoroso inquérito”. A sentença estava dentro do que dissera. Tinha conhecimento de tudo. Preferiu expor o pensamento. Fez uso da liberdade pessoal, mesmo arcando com consequências que sabia serem certas.
Quando servia à EIM-280, durante a guerra, em Fortaleza, o que mais me impressionou foi o Regulamento Disciplinar do Exército. Sem caso omisso, diz tudo sem rodeios, sem direito a interpretações.
O fato de discutir e apresentar propostas são ofício dos políticos, mesmo os implicados em desvio de verbas e comportamento alheio às atividades legislativas.
Nas Forças Armadas a conduta é em linha reta, sem alternativas. Como dizia o filósofo de Mondubim, “por dentro feito talo de macaxeira”. Não desvia de nada.
O general Maynard Santa Rosa preferiu não citar exemplos. Nenhum companheiro foi lembrado. Achou melhor dizer que a apuração dos crimes da ditadura militar (1964-1985) competia à “Comissão da calúnia” formada por “fanáticos”. Dessa forma, expressou pensamento claro, ao dizer o que pensava.
Outras considerações surgiram ao escrever com consciência a carta divulgada, hoje de conhecimento popular.
O ministro Jobim havia conversado com o comandante Enzo Peri, que estava a serviço no Rio Grande do Sul. Confirmada a autoria da carta, adotou o Regulamento Disciplinar do Exército, que não aceita discussões.
O general Maynard de Santa Rosa disse com todas as palavras que “fanáticos adotaram o terrorismo, sequestro de inocentes e assalto a bancos como meio de combater o regime para alcançar o poder”. A carapuça cabe na cabeça de dona Dilma Rousseff. Era membro da Comissão, participante da luta armada e está convocada para expor seus pensamentos, tudo antes do acontecido. Certa vez o general Santa Rosa havia sido afastado do ministério da Defesa por discordar do governo sobre a reserva indígena Raposa, Serra do Sol.
Peito aberto, consciência tranquila, ostenta posto de envergadura na profissão que escolheu desde criança. Deixa o exemplo à posteridade para os descendentes. Guarda mente limpa perante a família, à qual deve sua formação íntegra de pensamento livre. Guarda os amigos no coração. E sente o dever cumprido ao agir sozinho, sem envolver colegas.
Aí está a biografia do homem disciplinado do Exército. Não aceitou fugir ao pensamento de cidadão.
Realmente, a linha dele é reta como um pau-de-arara…
… ou como um paredão cubano